Por Luciana Vianna Pereira e Juliana Lobato*
No início de 2023, o World Economic Forum (WEF) publicou um Briefing Paper sobre o Mercado Voluntário de Carbono1, apontando-o como um instrumento necessário para qualquer estratégia de transição para uma economia de baixo carbono.
O relatório afirma que as soluções climáticas naturais, ou seja, as decorrentes de ações de manutenção de florestas e reflorestamento, são capazes de fornecer um terço da mitigação necessária para as metas traçadas pela agenda de 2030. Além de serem uma das poucas formas de remoção de carbono disponíveis atualmente, a aquisição e o investimento em geração de créditos de carbono, como destaca o informativo, são estratégias eficazes e desejáveis especialmente para o curto-médio prazos.
As estratégias de geração e aquisição de créditos de carbono correspondem ao “net” de qualquer compromisso net-zero e são medidas necessárias para o equilíbrio entre as emissões e reduções de carbono, já que uma descarbonização aliada à preservação e restauração do meio ambiente é considerada uma das maneiras mais eficazes e de baixo risco de reduzir emissões a curto prazo.
O estudo frisa que tanto os governos, como as empresas, precisarão se comprometer com a implementação de políticas e ações diretas de descarbonização que se alinhem com o ritmo exigido pela ciência para, então, traçarem caminhos net-zero e atingirem suas metas.
Sendo assim, seja através de um mercado voluntário, seja através da criação de mercados regulados de carbono, as empresas terão de usar meios de compensação para suas emissões residuais inevitáveis.
Acredita-se que o mercado voluntário de carbono tenha canalizado, só em 2022, mais de 1,2 bilhões de dólares em fluxos de investimentos, mitigando cerca de 161 Mt de emissões de carbono.
Ainda, além de aumentar os fluxos de capital para as reduções e remoções de carbono, o mercado voluntário contribui na preservação e restauração de ecossistemas e de sua biodiversidade, na proteção dos meios de subsistência das comunidades locais de florestas, a um custo (atualmente) de muito menos de 100 dólares por tonelada de CO2. A aquisição de créditos de carbono no mercado voluntário representa um dos recursos mais relevantes para a neutralização de emissões.
No entanto, apesar do potencial trazido pelo mercado voluntário de carbono, junto com seus tantos benefícios, o cenário atual pede por ações voltadas à consolidação e expansão de oferta e demanda. Dentre os desafios enfrentados pelo mercado, estão a necessidade de aumentar a credibilidade e qualidade dos projetos geradores de créditos, a definição de padrões e diretrizes mais simples, bem como o aumento da transparência dos impactos gerados, de modo a proporcionar uma maior confiança no uso de créditos.
As imperfeições do atual mercado, aliadas ao risco reputacional por críticas públicas e à falta de urgência de curto prazo, resultante do reconhecimento limitado dos órgãos reguladores sobre o mercado, são barreiras a ampliação do uso do mercado pelas empresas para implantação de suas ações climáticas.
O trabalho do WEF vem em linha com as conclusões expostas em trabalho elaborado no Brasil, com nossa coautoria, sobre a necessidade de se construir as bases para o desenvolvimento do mercado de carbono brasileiro em todo o seu potencial2.
Vem em linha também com outros trabalhos que indicam a falta de transparência, falta de uniformidade nos créditos e critérios de qualidade e a complexidade dos padrões como obstáculos sérios ao desenvolvimento do mercado, como o relatório da WayCarbon, em parceira com o ICC, intitulado “Oportunidades para o Brasil em Mercados de Carbono”, no final de 20223.
Segundo o relatório do WEF, seria necessária a participação e adesão mais ampla do setor privado, com planos de descarbonização a curto prazo confiáveis, na ampliação do mercado voluntário de carbono e na aceleração das ações climática. O Relatório traz, como recomendações, cinco etapas a serem vencidas pelos líderes corporativos:
1. Definição de um projeto de descarbonização alinhado às recomendações científicas para garantir a credibilidade;
2. Reconhecimento da urgência em proteger os sumidouros naturais de carbono e outros projetos comunitários de alta integridade;
3. Adoção dos principais padrões e práticas essenciais para melhorar a qualidade e credibilidade do uso de créditos;
4. Criação de transparência de mercado por meio de divulgações corporativas sobre o mercado e seus impactos climáticos e na natureza;
5. Ampliação dos compromissos corporativos com ações coletivas para gerar credibilidade e sinalizar demanda para o mercado.
Apesar de boa a lista da WEF, ela nos parece muito focada em solucionar problemas vinculadas à demanda por créditos de carbono como estratégias empresariais. Porém, é preciso também resolver o gargalo da oferta de créditos de carbono, hoje incipiente, e resolver outros problemas do mercado de balcão, como a falta de transparência de preços, a estratificação excessiva do produto e a falta de alinhamento ou definição sobre as formas de integrar o mercado voluntário e regulado, que hoje existem.
Assim, à lista, acrescentaríamos:
6. Ampliar a participação na governança e gestão dos operadores e intermediários que atuam no mercado voluntário de carbono, tendo em vista que hoje, há ainda poucos atores no mercado e que atuam simultaneamente na geração, registro, entrega e controle de titularidade dos créditos de carbono4;
7. Otimizar a relação entre a especificidade dos créditos de carbono desejados e disponíveis; e
8. Ampliar o desenvolvimento tecnológico para mensuração, reporte e verificação, permitindo a ampliação do volume e da segurança e controle sobre a integridade dos créditos;
9. Aceleração nos processos de reconhecimento, pelos reguladores, dos mecanismos voluntários de compensação de carbono, de compra e venda de seus títulos representativos e dos mecanismos de ajustes correspondentes e integração entre o mercado voluntário e o regulado.
Por fim, concordamos com o WEF no sentido de que, para atingir o net-zero, as empresas precisarão de boas estratégias, mas é crucial a adoção de uma ação coletiva para otimizar a segurança, uniformidade e transparência do mercado.
Essas são bases para que as empresas naturalmente passem a uma abordagem de portfólio para obtenção de créditos de carbono. A curto prazo, imagina-se que as empresas buscarão investir em créditos de carbono de alta qualidade com armazenamento de carbono de curta duração, como os advindos da preservação e restauração de florestas. E esse investimento permitirá que, a médio e longo prazo, acrescentem gradualmente estratégias de financiamento de remoções tecnológicas de dióxido de carbono e outros sistemas de armazenamento de longa duração.
1. WEF. The Voluntary Carbon Market: Climate Finance at an Inflection Point. Briefing Paper. January 2023. Disponível clicando aqui. Acesso em 20 de fevereiro de 2023.
2. PEREIRA, Luciana Vianna et. al., Sustentabilidade para a Sustentabilidade. Disponível clicando aqui e clicando aqui.
3. Disponível clicando aqui.
4. É de conhecimento geral as “trocas de farpas” entre o The Guardian e a Verra, sobre integridade dos créditos comercializados, eventuais conflitos de interesse e falhas metodológicas.
* Luciana Vianna Pereira é advogada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa, pós-graduada em Direito Ambiental Brasileiro, pela PUC-Rio, e em Gestão Ambiental, pela COPPE-UFRJ. Especialista em Direito Ambiental, Societário e Contratual, com mais de 18 anos de atuação, professora de cursos de especialização sobre ESG e autora de diversos artigos sobre direito ambiental e sustentabilidade. Atualmente, é Assessora Especial na Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado do Rio de Janeiro e integra a equipe responsável pelo projeto “Economia Verde – Nova Fronteira”.
Juliana Lobato é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas e estagiária no escritório L. Vianna Pereira Advocacia. É membro da Comissão de ESG do Instituto de Direito Ambiental e faz parte, atualmente, do Grupo de Trabalho de Clima e Energia da Cátedra Jean Monnet da ESPM.Juliana Lobato é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas e estagiária no escritório L. Vianna Pereira Advocacia. É membro da Comissão de ESG do Instituto de Direito Ambiental e faz parte, atualmente, do Grupo de Trabalho de Clima e Energia da Cátedra Jean Monnet da ESPM.